testes;

Hunter não gostava de manhãs frias, e se não fosse o fato de gostar menos ainda de atrasar-se para uma das matérias que mais gostava, teria considerado ficar na cama mais um pouco. Só o pensamento era irresistivelmente tentador, mas ao invés de render-se à ele, o sonserino chutou as cobertas para o lado e, antes que pudesse ser tomado por uma nova onda de moleza e ideias mais confortáveis do que sua agenda acadêmica preparava para si, foi preparar-se para a aula e, então, esperar o pessoal na sala comunal. Não deu nem tempo de tirar um cochilo decente na poltrona para que as figuras que esperava aparecessem, uma após a outra. Sorriu para os rostos familiares e outros não tão familiares que passaram por ele, chamando sua galera para direcionarem-se a sala de aula. E foi perto da porta, enquanto os estudantes das quatro casos começavam a chegar, que localizou um par inconfundível até mesmo de costas. — Já volto. — Foi seu único aviso, antes de correr na direção de Harriet e Allegra, que estavam com os braços dados.

— Bom dia, meninas! — Surgiu de repente no meio das duas, atrapalhando a caminhada bem na entrada da sala para envolver a dupla pelos ombros, apertando-as sem força entre cada um de seus braços, no que parecia ser um abraço desajeitado, mas inegavelmente afetuoso. — Prontas pra aula? — Olhou de uma a outra, sorrindo grande. — Se estiverem com dúvidas sobre como fazer algo, é só me assistirem, hm? — Gargalhou um pouco, sempre arrumando uma forma de divertir-se cutucando o orgulho intelectual de ambas as corvinas, mais por atrevimento do que arrogância, uma vez que sabia estar entre duas mentes extremamente brilhantes. Assim, tão logo apareceu, ele se foi, sinalizando o encerramento de sua curta sessão de importunação quando inclinou-se na direção da irmã para pressionar um beijo rápido em seus cabelos de bronze, de imediato sendo retribuído por ela no abraço. — Com certeza, Einstein! — Ouviu-a rir, parecendo no mínimo descrente, antes do sonserino se voltar para Allegra e lançar-lhe um cumprimento de cabeça e um sorriso, podendo então libertá-las de seu abraço e se afastar, apressando uma corrida para alcançar o grupo de sua casa novamente, dentre os quais se jogou no meio como uma bomba de músculos e risos.

Enquanto caminhava sala adentro, não tardou a notar que o ambiente havia sofrido uma tremenda reorganização. As carteiras encontravam-se minuciosamente posicionadas de modo que formassem um semicírculo, os raios de luz da manhã, convidados pelas janelas abertas a entrar, inundavam o espaço quase que por completo, dando-lhe um ar mais vivo; e pelo visto, aquelas não seriam as únicas coisas incomuns que eles encontrariam por ali, considerando que, diferente da rotina de muitas outras aulas, em Defesa Contra as Artes das Trevas, era a professora quem aguardava pela chegada dos alunos, não o contrário. O olhar do rapaz recaiu sobre a elegante figura atrás da mesa por um instante, no mínimo intrigado. — Ei, venham pra cá. — Chamou Jane, Eros e Laufey para sentarem-se do mesmo lado que ele na sala, enquanto este já se direcionava para perto de sua irmã, que parecia aguardar por ele. Nem mesmo a divisão das casas era o suficiente para tirar os dois Aodhaigh da cola um do outro.

Aconchegou-se na cadeira e automaticamente passou a arrumar seus pertences sobre a mesa. Pra falar a verdade, não era do tipo que fazia transcrições no decorrer da aula, mas ainda gostava de ter pena e pergaminho ao alcance da mão caso optasse por escrever alguma coisa [um nome a ser pesquisado depois, prazos de entrega, bilhetes…] Mesmo ocupado, Hunter uniu-se ao coro de “bom dia” em resposta ao cumprimento da professora, que em sequência apresentou-se como Elyseéa Ankeheim… Srta. Ankeheim, então. — Embora eu seja uma pessoa muito paciente, não permitirei que façam gracinhas na minha aula, o primeiro ano já acabou há muito tempo e eu estou lidando com bruxos sensatos agora. — Olhou na direção de Jane com um sorriso cínico e um olhar de falsa reprovação, como se dissesse: “Viu, Jane? Nada de gracinhas nas aulas da Srta. Ankeheim.” Como se ele também não fosse a personificação mais certeira daquela descrição. — Alunos que de alguma forma interromperem minha aula por conta de bobagens terão uma boa conversa com o Diretor Smith. — Direcionou sua atenção a mais velha a tempo de vê-la mirar em sua direção em meio àquele comentário, o que imediatamente fez o sorriso de Hamish encolher. Era melhor não arriscar uma detenção no primeiro dia de aula, hm?

Quando ela começou a explicação e as palavras referentes ao assunto a surgiram na lousa, o sonserino suspirou com exasperação, cruzando os braços sobre a mesa e apoiando o peito adiante enquanto a maioria dos colegas de classe já se punha a escrever, inclusive sua irmã. Por agora, no entanto, ele preferia apenas ouvir. — Este ano aprenderemos o quarto recurso básico: o controle psicológico e mental. — Hamish nem precisava dos recursos de Adivinhação para saber que aquela parte seria um grande desafio para si. A essência de seus feitiços era muito mais instintual do que ponderada. Ele tinha ótimos reflexos e um raciocínio ligeiro, mas debatia-se com qualquer coisa que exigia-lhe remanso e reflexão… O que, para seu fazer, parecia ser alguns dos pontos centrais trazidos pela Srta. Ankeheim naquele momento. — Afobação não resultará em nada, o que pode acontecer é o feitiço sair pela culatra por conta disso. — Inclinou-se na direção de Hella, resmungando para que apenas ela ouvisse: — Já vi que vou me ferrar nessa aula. — Então, como se aceitasse que as coisas não viriam do jeito fácil daquela vez, ajeitou a postura na cadeira e pegou a pena que até então descansava no canto para molhá-la na tinta e começar a fazer suas anotações.

Aula I • DCAT

RECURSOS BÁSICOS DE DCAT
* F. DEF
* CONTR-F.
* RFLXS.
* CONTROLE PSIC E MENT.

— Levicorpus, não-verb.
Calma, concentração e mentalização.
+ "Vontade"?

Em adição ao conteúdo inicial da aula, foi acrescentando novos pontos conforme a explicação desenvolvia-se, não precisando levantar erguer no olhar na direção da lousa muitas vezes para saber o que escrever. A caligrafia polida e harmoniosa, tanto em sua forma bastão quanto na cursiva, era apenas um dos efeitos de sido criado por um casal de bruxos extremamente intelectuais e perfeccionistas - nada menos do que alguém poderia esperar da união entre um treinador esportivo corvino e uma pesquisadora mágica sonserina -, e ainda que a aparência de seus escritos não combinasse nenhum pouco com a maneira que Hamish organizava seus pensamentos nas aulas, estava longe de incomodar-se com o fato. Ao terminar, tornou a deixar a pena de lado para focar apenas na figura que ainda tomava o centro da sala, bem a tempo de assistir sua demonstração.

Assistir a professora saindo do chão atingiu Hunter com uma onda de entusiasmo, apesar do adendo que veio logo em seguida, ao dizer que a concentração precisava ser mantida a todo momento… Que droga, ela fazia parecer tão fácil! Coçou a nuca enquanto levantava-se da cadeira. — É agora que o bicho pega. — Comentou, antes de olhar para o lado esquerdo da sala, onde alguns alunos já começavam a praticar. — Bom, pelo menos nós dois somos ótimos com as quedas, não é, Eme? Quantas vezes já não caímos da vassoura treinando e fazendo corrida. — O riso compartilhado entre os irmãos serviu para aliviar um pouco da aflição sentida pelo mais velho, que caminhou para um espaço mais livre, antes de virar-se e anunciar: — Eu vou primeiro.

— Tome cuidado. — Disse a caçula, fazendo-o balançar a cabeça para assegurar-lhe de que ficaria bem.

Fechou os olhos e respirou fundo. Calma, concentração e mentalização… E vontade? Não entendia muito bem como a última parte encaixava-se na situação, mas resolveu exercitar pelo menos o que, por teoria, lhe estava claro. Puxou o ar mais uma vez, tentando espantar os pensamentos inúteis e pregar algum tipo de ordem numa mente tão comumente agitada. Podia sentir… Podia sentir… A única coisa que sentia era a pressão sob os pés conforme ele erguia-se sobre os metatarsos, quase como se tentasse ensinar ao próprio corpo como este deveria tirá-lo do chão. Mas para recitar o feitiço e de fato conseguir levitar, primeiro ele deveria sentir-se leve, então sua primeira tentativa não tinha ido muito bem. Calma, concentração e mentalização… Seria humilhante não conseguir passar sequer daquela etapa, é claro, mas a ideia de perder uma experiência como aquela, de voar sem uma vassoura, parecia ainda mais lastimosa.

Um dos motivos pelo qual Hamish sempre viu-se tão apaixonado pelo Quadribol era a parte de voar. Portanto, se tivesse que definir um momento em que sentia-se leve, mas também ágil, seria enquanto movia-se livremente com sua vassoura, indo de um lado do campo a outro em questão de segundos! Infelizmente, sua posição no time não permitia-lhe tanta mobilidade durante os jogos, uma vez que o goleiro deve guardar os postes, mas ele ainda tem a agilidade como uma de suas maiores características. Assistí-lo voar é como lançar uma pena a ventania - pode não ser gracioso, mas move-se bravamente no ar, sem cair.

Dessa vez, entendia melhor os conceitos que ainda repetia no fundo de sua mente, quase que como um mantra. Preparou a varinha e recitou mentalmente, com toda a determinação: “Levicorpus!” E de imediato sentiu o resultado do feitiço, tendo o corpo erguido por uma força invisível. Hunter tinha medo de falhar, mas não de voar, e tampouco também de cair, por isso recebeu aquele momento com um sorriso vitorioso, sentindo-se confiante o suficiente para abrir os olhos e, então, perceber que já estava a uma altura considerável do chão. Gargalhou, maravilhado com aquilo. — E aí, Eme? Estou te esperando aqui em cima! — Olhou na direção da irmã, convidando-a para subir também, ao mesmo tempo em que movia o corpo na tentativa de engajar em alguma pose, mas tão logo agitou-se, perdeu a estabilidade que o mantinha firme no ar. — Woa! — Tornou a organizar-se do modo anterior, controlando a respiração para não deixar a adrenalina tomar conta e, assim, perder a concentração.

Depois que desceu - o que na verdade foi uma "meio descida, meio despencada" que arrancou uma nova onda de risos do sonserino -, ele tornou a experimentar com o feitiço, tentando erguer-se a partir das posições mais elaboradas. Superman levantando voo? Confere. Pose de kung fu, com os braços formando um “V” e uma das pernas erguidas? Confere. Estava a ponto de adicionar mais um ato a sua performance, quando viu uma movimentação estranha em um dos cantos da sala.

Era Allegra, com a flutuação instável em a altura absurda. Hunter arregalou os olhos e moveu-se na direção dela na mesma hora, anunciando consigo mesmo o que parecia óbvio para todos naquele momento: — Ela vai cair! — Nem sabia porque estava reagindo como se pudesse fazer algo daquela distância. Quer dizer, ele poderia lançar um feitiço, mas preferiu não arriscar... E nem precisou, uma vez que ela mesma agiu a tempo para se salvar, arrancando um suspiro de alívio do sonserino. — Eme, sua amiga é meio insana. — Lançou um olhar na direção de Hella enquanto eles se aproximavam mais dos corvinos que eram alvo de atenção naquele momento.

— Nice catch. — Deu um tapa amigável nas costas de Sage depois que ele aparou a loira, oferecendo-lhe um sorriso que muito provavelmente não seria retribuído, antes de direcionar-se a alguém que, após ter uma experiência e tanto, anotava algo em seu pergaminho. Hamish entortou as sobrancelhas, perguntando-se com uma pontada de assombro até onde ia a fixação de Allegra pelos estudos. — Ei. Você está bem? Uma hora parecia que estava tentando atravessar o teto, e de repente desceu como balaço descontrolado. — Olhou por cima de um dos ombros dela, como se tentasse ler o que a corvina escrevera tão freneticamente. — Eu disse que deveria me olhar caso estivesse com dúvidas, não disse? — Riu um pouco. — Mais cuidado na próxima, Allegra… Você tem que sobreviver até o próximo jogo de Quadribol, pelo menos.